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SP: comunidade escolar critica imposição de uso de plataforma digital
Sindicato dos professores estaduais afirma que não houve debate prévio
Professores e estudantes da rede pública do estado de São Paulo
relatam se sentirem limitados e pressionados pelo sistema de plataformas
digitais adotado para as aulas. Desde o ano passado, a Secretaria Estadual de
Educação estabeleceu contratos com uma série de aplicativos educacionais.
Segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado
de São Paulo (Apeoesp), não houve diálogo prévio com as comunidades escolares
para adoção do sistema, que exige que alunos realizem uma quantidade mínima de
tarefas pelas plataformas digitais e que educadores usem os conteúdos em sala.
As queixas levaram o Apeoesp a convocar uma mobilização na
semana passada contra o uso dos aplicativos. Os educadores que aderiram ao
movimento passaram uma semana apenas registrando a chamada no sistema digital,
como é obrigatório, mas lecionando a partir dos conteúdos que entendessem
melhores para cada matéria. Uma nova assembleia da categoria está marcada para
esta sexta-feira (24).
Em comunicado endereçado aos diretores de escolas, obtido pela
reportagem da Agência Brasil, uma diretoria regional
de ensino enfatiza que adoção das plataformas digitais é uma “exigência”. A
mensagem tem data de 13 de maio, dia de início da mobilização convocada pelo
sindicato, e tem como tema a proposta de uma semana sem uso dos aplicativos.
“Salientamos que a imperiosa responsabilidade coletiva dos
professores em desenvolver na sua prática diária o uso das plataformas digitais
reverbera nos indicadores educacionais apresentados nos painéis do BI Total
[sistema que reúne os dados e estatísticas de uso das plataformas] e
diretamente na avaliação da escola bem como dos profissionais que dela fazem
parte”, afirma o comunicado, deixando claro que não acessar os conteúdos
digitais teria implicação direta nas avaliações de professores e diretores
feitas pela secretaria.
Pressão
A pressão para o uso das plataformas – uma vez que o tempo de
acesso influencia diretamente nas avaliações –, é uma das principais
reclamações de estudantes e professores.
“Nós do terceiro ano, na plataforma do Khan Academy [de
matemática], tivemos mais acertos. Ou seja, teoricamente fomos quem mais
entendeu o conteúdo. Mas foi cobrado porque a gente não passou o tempo [mínimo
exigido] na plataforma. O primeiro ano, que foi a sala comparada a nós, teve
metade dos nossos acertos, mas como ficaram mais tempo [na plataforma], eles
estavam melhores que a gente. Não está contando o nosso aprendizado e sim o
quanto a gente fica on-line”, conta Luciano*, estudante de 18 aos de uma escola
da zona sul paulistana.
O tempo e a quantidade de tarefas mínimas acabam fazendo com que
estudantes e educadores se sintam pressionados. “Muitas vezes a gente não
consegue dar conta das metas, porque tem uma quantidade, uma meta que é
estabelecida. Hoje, falaram para mim que a meta era em média 10 atividades por
aluno por semana”, desabafa Luís*, professor da rede estadual desde 2011, que
preferiu não se identificar.
“É uma situação muito ruim, porque nós estamos falando de uma
rede de ensino com 3,5 milhões de estudantes e 200 mil professores, que estão
numa situação de serem avaliados usando critérios absolutamente arbitrários,
baseado no tempo em que você fica conectado em um aplicativo, numa plataforma”,
critica o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(USP), Fernando Cássio.
Doações e compras
O material digital é composto por plataformas desenvolvidas por
empresas e parte elaborada pela própria Secretaria de Educação. A pasta
anunciou, há cerca de um mês, que está usando inteligência artificial para
fazer parte do material didático disponibilizado à rede.
Algumas das plataformas foram doadas pelos desenvolvedores, como
no caso da Me Salva, de exercícios preparatórios para o vestibular, e a Khan
Academy, especializada em matemática. As doações publicadas no Diário Oficial
do Estado são estimadas em R$ 40 milhões cada uma para o uso do material por 18
meses. A Alura, plataforma para o ensino de programação digital, foi adquirida
para uso pelo mesmo prazo por R$ 30,8 milhões.
Para Fernando Cássio, esses contratos, que envolvem também a
compra de computadores para as escolas são a grande motivação do uso
obrigatório de plataformas pela rede estadual. “O que a gente está vendo é um
movimento muito violento, essa é a palavra, de substituição tecnológica [dos
professores] que, na verdade, serve unicamente para justificar as aquisições
bilionárias de equipamentos eletrônicos pela Secretaria de Educação de São
Paulo”, afirma.
O secretário de Educação de São Paulo, Renato Feder, foi
dirigente e segue sendo acionista da Multilaser, empresa que fornece
computadores para a área de educação, além de outros contratos com o governo
paulista.
“Não é possível a gente tampar os olhos aí para não perceber que
a gente tem um secretário de educação que não é um educador, é uma pessoa que
tem uma trajetória que é toda vinculada aos negócios, a uma empresa de
tecnologia que vende exatamente esses equipamentos”, relaciona Cássio.
A reportagem da Agência Brasil tenta contato com
a Secretaria Estadual de Educação desde a última segunda-feira (20), para se
posicionar às críticas ao sistema de plataformas digitais, mas não obteve
retorno até a data de publicação do texto.
Em nota anterior, referente à mobilização dos professores contra
as plataformas, a pasta afirmou que "as plataformas digitais são recursos
tecnológicos agregadores na produção pedagógica desenvolvida em sala de aula,
fazendo parte do conteúdo ministrado pelos docentes, e continuam sendo
utilizadas normalmente".
Ainda segundo a pasta, "todos os recursos oferecidos pela a
Secretaria da Educação têm o objetivo de aprimorar as habilidades dos
estudantes e promover o avanço dos índices educacionais de São Paulo".
Erros e inteligência artificial
A qualidade do material também é questionada pela comunidade
escolar. “Eu não uso as plataformas. Faço a chamada, porque eu sou obrigada a
fazer. A aula de filosofia, por exemplo, cada aula tem em média 20 slides.
Nunca que eu vou passar 20 slides para os alunos dormirem. É bom para o
professor que não sabe o conteúdo, é ótimo para o professor que não gosta de
dar aula, porque aí qualquer ser humano que sabe ligar e desligar [o
computador] vai dar aula. Mas o professor que quer ensinar alguma coisa, quer
falar de conhecimento, para esse professor a plataforma é horrível”, afirma a
professora Joana*, que dá aulas de filosofia e oratória.
Em 2023, foram identificados erros grosseiros de informação no
material digital elaborado pela secretaria. Em um dos trechos, era dito que, em
1888, Dom Pedro II assinou a Lei Áurea, quando, na verdade, a lei que encerrou
a escravidão institucionalizada no Brasil foi assinada pela filha do monarca, a
Princesa Isabel. Em outro trecho se afirmava, também de forma equivocada, que o
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade é transmissível pela água.
Professor da rede estadual, Pedro* diz que encontra diversos
problemas no uso do aplicativo Redação Paulista, onde os alunos escrevem
redações e têm a produção corrigida automaticamente. “Os principais problemas
são não conseguir identificar um texto produzido por inteligência artificial,
além de não identificar erros básicos de português na sua correção automática e
não reconhecer plágio”, pontua o educador.
“Nós somos obrigados a pressionar os alunos para que utilizem
essas duas aplicações, se não eles ficam sem nota na disciplina de redação e
leitura. E isso esbarra em vários problemas que alunos e professores não
conseguem resolver. Um desses problemas é o acesso. Ora a internet da escola
não funciona, ora o aluno não tem equipamento, ora o aplicativo trava”,
acrescenta o professor sobre as dificuldades enfrentadas no dia a dia.
Em abril deste ano, o governo de São Paulo anunciou a utilização
da ferramenta de inteligência artificial para elaboração do material didático.
“Você pode usar uma ferramenta que pode facilitar o esforço inicial, mas isso
vai passar pela revisão, vai passar pelo olhar, vai passar pela inteligência
dos nossos professores. Nós temos excelentes conteudistas, nós temos excelentes
profissionais. Eu acredito muito na melhoria da qualidade do ensino”, afirmou o
governador Tarcísio de Freitas na ocasião.
Na semana passada, diversas entidades ligadas à área de educação
lançaram uma nota contra a forma como a tecnologia está sendo utilizada nas
escolas. “Do modo como está posto pelo governo do estado, o uso da inteligência
artificial se coloca mais como um processo de controle dos conteúdos
trabalhados pelas professoras e professores do que uma contribuição para a
melhoria da qualidade do ensino”, diz o comunicado assinado pela Ação Educativa,
pela Rede Escola Pública e Universidade e pelo Instituto Alana, entre outras
organizações.
Apesar de discordarem da forma de implementação, as entidades
destacam que não são contrárias à inovação tecnológica na educação. “O que
propomos é que seu uso seja parte de uma discussão ampla e contextualizada numa
perspectiva de que possa contribuir com a melhoria da qualidade educacional e
com a valorização de profissionais da educação”, acrescenta o texto.
O posicionamento coincide com o defendido pelo sindicato dos
professores: "não é uma greve contra a tecnologia, obviamente, porque nós
queremos a tecnologia como suporte para o trabalho do professor”, diz o
presidente da Apeoesp, Fábio Moraes, a respeito da mobilização feita ao longo
da semana passada.
Remoção e demissão
“Nós tivemos apoio de muitos, mas muitos gestores, diretores de
escola, coordenadores, vice-diretores, que também sentem a opressão – porque a
plataforma vai oprimindo do professor, na sala de aula, até o supervisor, na
diretoria”, acrescentou o sindicalista ao fazer um balanço da ação da
categoria. Segundo ele, os profissionais que não se adequam ao sistema correm o
risco de serem removidos dos locais de trabalho.
No caso dos professores temporários há, segundo Fernando Cássio,
o risco de perda do cargo, no caso de resistência ao sistema de ensino digital.
Em dez anos, a rede estadual paulista reduziu em 46% o número de
professores efetivos, segundo pesquisa divulgada pela organização não
governamental Todos Pela Educação em abril. De acordo com o estudo, atualmente
os educadores com contratos permanentes representam apenas 43% do total.
*Os nomes dos
professores e estudantes foram alterados a pedido dos entrevistados.
Fonte: Agência Brasil
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