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Por Ronaldo Conde Aguiar
Reflexão: Ronaldo Conde Aguiar - Penso na vida e choro
Eu era casado, tinha duas filhas, morava em São Paulo – e era formado em sociologia. Corria o ano de 1972. Na época, eu trabalhava numa empresa de consultoria, especializada em elaborar estudos de desenvolvimento para estados e municípios. Um dia, tocado por minha admiração ao professor Orlando Valverde, resolvi fazer vestibular para geografia, na USP.
Passei. Montei meus horários de aula de forma compatível com minhas atividades profissionais. Deu certo, mas fui obrigado a trabalhar nos fins de semana (em casa) e a fazer serões que me obrigavam dormir não antes das três horas.
No primeiro dia de aula, alunos veteranos nos cercaram: queriam fazer o clássico trote. Bolas! Eu fizera, em 1965, vestibular para sociologia na velha Faculdade Nacional de Filosofia – e o trote foi uma palestra sobre o golpe militar, que tivemos de ouvir, embora o palestrante nada dissesse que fosse novidade para nós outros. Feridas ainda estavam abertas. Mas, vá lá! Submeti-me ao ritual: eu era jovem e ainda acreditava nessas coisas.
Mas, voltemos aos veteranos de geografia e sua intenção de nos submeter a um trote, que envolvia tintas, máscaras, grosserias e humilhação. Os calouros pareciam resignados ao sofrimento do trote, mas o Velhote do Penedo resolveu engrossar: cheguei perto do chefão dos veteranos (um sujeito gordo, barbudo, cara de caipira) – e fui direto e claro: eu não aceitaria ser submetido ao trote.
Fui incisivo: quem chegasse perto de mim – ameacei - ia se dar mal. Fui olhado com surpresa, escárnio e ódio. Outro calouro, alto e parrudo, aliou-se a mim. Em alguns segundos éramos um grupo disposto a enfrentar os veteranos. Não iríamos nos submeter ao show. Não sei se ainda fazem trote, mas, ao longo de minha vida universitária, vi coisas horrorosas.
Melamos o trote que desejavam nos submeter. Fiz o curso, ao longo do qual aprendi e acumulei utilidades e inutilidades, mais estas que aquelas. Nunca fui buscar o diploma. Mudei-me para o Rio, onde fiquei três ou quatro anos. Em 1980, vim morar em Brasília, onde fiz mestrado e doutorado em sociologia. Escrevi 14 livros, ganhei netos e, agora, uma bisneta, a gloriosa Luna. Plantei inúmeras árvores – ninguém pode me acusar de agredir o meio ambiente. Não creio que tenha ajudado o mundo a ser melhor, mas em compensação não contribuí para sua piora.
Fiz política desde os 16 anos. Pertenci aos quadros da Polop, um bando de intelectuais bem-intencionados (nem todos) que imaginava, um dia, botar fogo no país em nome do melhor dos mundos, o socialismo. Hoje, aos 79 anos, desencantado das muitas verdades que um dia acreditei e defendi, limito-me a ler, a ouvir música e a escrever. Evito dizer e ouvir tolices e besteiras – por isso quase não vejo televisão. Não acredito mais que sejamos capazes de enfrentar e resolver os problemas brasileiros e mundiais.
A desigualdade e as chamadas injustiças sociais fazem parte do mundo que a civilização criou. Vivemos um dilema: o socialismo desmoronou, foi por água abaixo, embora ainda haja quem acredite nas suas possibilidades e – pior - na sua reedição; o capitalismo, por sua vez, não existe para incluir o povão nos ganhos do desenvolvimento, não irá superar as taras da desigualdade, pois estas lhe dão suporte e vida. Tudo isso significa que vivemos um mundo de muita dor e sofrimento, mas o que fazer?
No mundo tecnológico, não cabem os quase oito bilhões de habitantes planetários. Vivemos a era do malthusianismo tecnológico. O avanço das técnicas devorou empregos reais ou supostos, criando, como diria Marx, um exército industrial de reserva de dimensão mundial, que jamais será absorvido pelo mercado.
Vi recentemente no canal smithsonian um documentário sobre a automatização das fábricas. Fico pasmo como, diante desse processo incoercível, tanta gente ainda acredita no socialismo.
A questão é que o socialismo não liquidou a desigualdade, ele apenas nivelou a sociedade por baixo. Estive em Cuba algumas vezes – e, tirante os cenários de propaganda do governo, é flagrante que a pobreza é um fato generalizado na ilha. Marx jamais admitiu que o socialismo florescesse sobre os escombros do subdesenvolvimento. Marx acreditava que a revolução socialista ocorreria numa sociedade burguesa plenamente amadurecida, num quadro de abundância material e elevado nível cultural. Tal previsão de Marx, contudo, não se realizou. As revoluções socialistas aconteceram apenas em países pobres e atrasados, onde a escassez de meios de produção, de bens de consumo, de qualificações, de habilidades e experiências profissional e cultural – sociedades, enfim, onde o embrião do socialismo não tivera ainda tempo de amadurecer, para usarmos a metáfora do próprio Marx
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A leitura de Marx – e, infelizmente, raros sãos os marxistas que leram Marx – explica o fracasso do socialismo real.
Putz! Comecei o texto falando de mim. Terminei falando de Marx. Paro por aqui senão vou acabar discorrendo sobre o Joãozinho da Goméia.
Fonte: Facebook https://www.facebook.com/ronaldo.condeaguiar
Ronaldo Conde Aguiar(Velhote do Penedo)
"A pior invenção do homem foi o celular; de Deus, a pior invenção foi a velhice (Velhote, em crise)".
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